segunda-feira, 8 de julho de 2013

Convivência inevitável


Eles suportavam-se mutuamente desde...desde...Sempre! Exatamente isso. Sempre fora assim. Precisavam conviver e como para tudo nessa vida, haviam os pontos bons e muitos lados ruins, normal. Ela sempre queria colocar um pouco de juízo naquele cabeça dura, mas era uma missão extremamente exaustiva. Mesmo que implorasse para ser ouvida e atendida, ele sempre a desafiava. Vitor tinha essa mania de gostar do mais difícil, de coisas que deixavam-na a ponto de arrancar o cabelo, fio por fio. Em sua teoria, ele fazia de propósito, só pra irritá-la. No entanto, uma coisa era certa: não conseguiam viver separados; e não foi por falta de tentativas, diga-se de passagem.

Entretanto, verdade seja dita, ele não era rebelde o tempo todo. Vez ou outra seguia os conselhos dela. Formou-se cedo na faculdade, arranjou um bom emprego, evitava confusões e brigas desnecessárias e cuidava bem de sua própria saúde; não era dado a vícios. Pelo menos, tinha um bom senso de autopreservação. "Graças a Deus!" 

Às vezes, ela poderia até dizer que se sentia orgulhosa, mas logo em seguida, Vítor fazia alguma coisa bem idiota para desestimulá-la. 

Dessa última vez, foi a um bar comemorar o aniversário de um de seus amigos e bebeu como se o mundo fosse acabar dali a algumas horas. Ela o acompanhou como sempre fazia e pediu encarecidamente para que parasse de beber. Mas ele, por sua vez, apenas mostrou uma carranca, franziu a testa como se a repreendesse e mandou mais uma dose de tequila pra dentro. 

Ela acordou cedo na manhã seguinte. O relógio nem havia despertado, mas a noite foi conturbada. Aliás, muito mal conseguiu relaxar. Divagou por lugares horríveis, pesadelos que a faziam arrepiar-se ao lembrar. Tudo isso por causa da imprudência de seu companheiro. A culpa de uma noite mal dormida, como sempre, era dele. Movimentou-se e agitou-se desconfortavelmente de propósito até senti-lo acordar. Vitor a tirava do sério, vinte e sete anos e ainda se comportava como uma criança. Bufou e cruzou os braços esperando-o abrir os olhos. Se ele podia ser birrento, ela também seria.

Vitor elevou a cabeça do travesseiro momentaneamente, mas voltou a deitar-se, deixando um gemido de dor. 

- Bem feito! Quem mandou se embriagar? Eu bem que te avisei!
- Cale-se! - murmurou enraivecido.
- Você é um idiota. Não adianta ficar nervosinho comigo. Não tenho culpa dessas burradas que você comete. Anda, levante-se! Você tem que trabalhar.
- Já disse pra se calar! - espremeu o travesseiro contra o rosto tentando se acalmar e ao mesmo tempo, diminuir aquela cefaléia horrível.

Ela cruzou os braços novamente e resmungou baixinho. Odiava quando era chamada a atenção. Ela era a parte sensata daquilo ali. "Quem ele pensa que é? Queria vê-lo sobreviver sem mim."

Vitor se arrastou para fora da cama e caminhou até ao banheiro. Encarou-se no espelho por um momento. Seus olhos arregalaram-se com o que viu, sua aparência estava deplorável. Ela queria sentir-se bem e vingada com a reação dele, mas tudo o que ele fazia tinha efeito sobre ela. O máximo que poderia sentir seria raiva e isso já transbordava por todos os lados de seu ser. Mirou-se no espelho e também não gostou de sua imagem.

Olhou-se mais uma vez. Retorceu o canto direito da boca, não sentia-se bem consigo mesma. Não mesmo! Mas não teria tempo de consertar a situação. 

O dia estava gélido. O vento açoitou a janela do quarto provocando um estrondo contra o vidro. O barulho os sobressaltaram. Péssimo dia para sair.

- Merda de segunda-feira. - Vitor cochichou, ranzinza.

- Seria menos pior se não estivesse com ressaca. - ela comentou acidamente sabendo que iria irritá-lo. 

Vitor não respondeu, apenas despiu-se e entrou no box. Talvez a água quente revigorasse suas forças e melhorasse seu humor.

Pouco depois das oito, chegou à sua sala no escritório de advocacia. Cumprimentou a recepcionista que caminhava em sua direção, cruzando com o caminho dele. "Que gostosa!" - pensou e abriu a porta. Havia um bilhete em cima da mesa. Leu-o rapidamente. "Reunião logo agora? Que merda de dia!"

Encaminhou-se para a sala onde quase todos os advogados já estavam reunidos.
- Bom dia, parceiro. - André cumprimentou-o, muito bem humorado. Bem até demais para uma segunda-feira tempestuosa. - Que cara de ressaca é essa? - zombou. 

- Não torra minha paciência, por favor. Minha cabeça está quase estourando. - É, a água quente não serviu de nada para melhorar seu humor.

- Se você tivesse me ouvido... - provocou mais uma vez.

- Chata. Filha da puta chata! - rosnou.

- Ei, cara, eu só estava brincando. - André defendeu-se. Seu olhar transbordava ressentimento.

Vitor sentiu-se mal pelo colega de trabalho.

- Não, me desculpe. - seu tom abrandou. - Não estava xingando você.

O amigo olhou à volta da sala por um momento, mas ninguém parecia estar ciente da conversa dos dois.

- Então, estava falando com quem? - ergueu uma das sobrancelhas, desconfiado.

- Já ouviu falar em dor na consciência? No meu caso, a dor que ela me provoca é pior do que ressaca. Ela é a mais chata que existe.

André olhou-o atordoado, tentando compreendê-lo e ao mesmo tempo, avaliando sua sanidade. A Consciência sorriu satisfeita. Pelo menos, da próxima vez, Vitor seria mais sensato.

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